Sala de Origami

quinta-feira, março 17, 2016

Oco

Colocou aquela música pra tocar no volume máximo. Era um piano melancólico tocado por dedos perspicazes, firmes, porém delicados.
Dedos bailarinos que dançavam pelas teclas e produziam uma música rebuscada, cheia de lembranças, desejos, sonhos partidos.
Abriu levemente o registro do chuveiro, escolheu a temperatura mais alta, sentou-se no chão, abraçou as pernas dobradas e colocou a cabeça entre elas. Deixou a água cair envolvendo em um abraço de calor e conforto.
Lutava intensamente para alcançar dentro de si qualquer tipo de sentimento. Lá dentro parecia uma caverna profunda, escura. Bem escura. Lá no fundo luzia uma luzinha trêmula, lembrava um pavio de vela aceso. Era fraca, vacilava quase apagando, mas insistia em se manter acesa.
Aquela luzinha lá no fundo iluminava com muito custo as paredes distantes. Nada se enxergava com clareza.
Resolveu sentar e admirar a caverna escura. Não sentia alegria, nem medo, nem surpresa. Um fio de tristeza superficial como a pele era o mais próximo de algum sentimento que estava ali.
De repente esse sentimento penetrou seu peito. Fino e profundo feito uma agulha. E então pôde perceber o quão distantes de fato as paredes estavam. O quão fria parecia a caverna. Sabia que, se gritasse, seu eco poderia viajar por anos, sem encontrar sequer um obstáculo para bater e voltar.
Estava ali, sozinho. A sensação era de vazio. Ainda sim, não sentia medo.
Em um instante, recobrou a consciência e voltou a sentir o calor da água envolvendo seu corpo. Respirou aliviado.
Tentou puxar o ar mais uma vez, mas estava novamente na caverna fria. Conseguia agora ouvir, ao longe, algo batendo, devagar, ritmado. Parecia um tambor bem fraco e distante, mas presente.
O som ecoava e parecia chamar. Tentou se levantar, mas as pernas falharam. Tentou mais uma vez, mas parecia carregar algo muito pesado em suas costas. Parou atentamente para escutar e se certificou de que o som não havia cessado.
Sentou-se novamente na posição fetal e fechou os olhos. Então conseguiu sentir a água quente e o som das batidas.
Ouviu as teclas do piano dançarem e viu a luz trêmula.
Sentiu um alívio e sentiu também aquele fio de tristeza. Ali era o seu lugar. Quente, fracamente iluminado, vivo, mas ainda sim, dentro da caverna. Oco.

terça-feira, fevereiro 24, 2015

help!

O corpo está mole, a respiração está pesada. Há algo lá dentro que a torna difícil, quase impossível.
É um sentimento que sufoca, parece um bolo socado goela abaixo, profundamente indigesto.
Tem gosto de medo, tem cheiro de tristeza. Turva os olhos e impede de enxergar mais à frente.
Envolve o coração, cobre-o de tal forma, que parece que vai reduzí-lo a nada.
É uma angústia, uma vontade de gritar. Bem alto.
E esperar que o som se converta em lágrimas. Deixá-las escorrendo rosto afora. Alma afora.
Ainda existe alma?
Apesar de bastante judiada, sim, ela existe. Entre um surto e outro, há doses de carinho, de cuidado. Talvez até mais frequentes que os embaraços. Mas estes sim, quando vêm, eles vem pra valer.
Vêm como tsunami, devastando e arrastando tudo, afogando, sufocando.
Cada vez mais fica mais difícil nadar e resistir à correnteza.
O mar é infinito e eu? Eu só preciso respirar!

quarta-feira, janeiro 14, 2015

Todo pote que enche demais
Um dia derrama

sexta-feira, janeiro 02, 2015

E se o sol não nascer amanhã?

Já estou com quase trinta anos nas costas e ainda tento entender se as pessoas complicam demais a vida, ou sou eu quem simplifico demais as coisas.
Vejo as pessoas sofrendo por algo que gostariam de ser ou ter, sempre incontentes com o que possuem.
Se vou contra isso, sou condenado de acomodado.
Afinal, qual o pecado de se estar feliz com o que se tem?
Claro que um pouco de ambição é necessário. Sonhar então, é o estímulo da vida.
Mas às vezes isso é tomado como combustível único e aí não tem como não se frustrar com a quebra de expectativas.
E se o sol não nascer amanhã? E se hoje for a minha última chance de fazer diferente e viver tudo o que eu não vivi ainda?
É lindo, mas é tema pra filme da Sessão da Tarde. A vida real é um pouquinho diferente e às vezes eu prefiro estar feliz na minha ignorância do que a incansável e sofrida busca pela felicidade ideal.
Li em um texto uma vez:
"Muita inteligência e acurada visão de mundo não são, definitivamente, caronas para a felicidade. Certamente o contrário, a ignorância, tem mais facilidade em puxar a carroça."
Que isso não seja confundido como uma escolha pela burrice ou tolice, muito menos regressão. É apenas uma escolha pelo simples e saber que é possível ser feliz assim também.

segunda-feira, novembro 24, 2014

Sou Membro

Tenho saudade de abraços que não dei
Vontade de beijos que não senti
Meus passos deixam rastros profundos
Meu tempo é o q'ainda não vivi
Se triunfante carrego um estandarte
Mais infame volto pra minha terra
Sonetos que um dia você escreveu
Embalam minha doce primavera
Sou cabeça, tronco e membros
Sou membro e sou o todo
O remorso não me consola
Água morna não é fogo

sexta-feira, agosto 29, 2014

Claustrofobia

Sabe quando as palavras te envolvem como paredes e vão se fechando, fechando em volta de você?


Pois é.



segunda-feira, agosto 25, 2014

Sussurro

Abraçado pela noite
Com seu manto em silêncio
Sonhando suave
Respirando quase sem querer
Suspirando ao acaso
Dormindo indefeso
Acalentado pelo meu olhar
Coberto de mim